quarta-feira, 16 de agosto de 2017

38 | Depois as mãos,

Quando leio, faço-o com o corpo.

Não só a mente articula as palavras de forma lógica e capaz de construir sentido, mas também o corpo se alinha na empreitada, trabalhando como uma engrenagem bem oleada na prática de devorar histórias.

Começa pelos pés, que sempre balançam a um ritmo determinado por uma música que não se ouve - para cá e para lá - fazendo oscilar o resto do corpo num embalo quase imperceptível, dançante na balada silenciosa das letras a cantar por dentro.

Depois as mãos,

As mãos são fundamentais na (minha) leitura. Por razões que se desconhecem, ganhei cedo o hábito de acompanhar a linha com o dedo indicador - tic, tic, tic-tic, tic - como o marcador de uma sinfonia que não se ouve a não ser com os ouvidos atentos às poesias das coisas.
Disseram-me que era excesso de energia. Ansiedade. TOC, TOC, TOC-TOC, TOC.

Eu acho que é só vontade de dançar.

(ao ritmo do verso lido).

Sou uma leitora ruidosa. Correção - eu sou, por essência, uma pessoa ruidosa, e por isso na leitura, como na vida, sinto-me falar pelos cotovelos numa conversa demorada comigo mesma.

A fechar este festival de sons e passos não-ensaiados que é para mim a leitura, está a boca. É como mascar chiclete - pronuncio as palavras debaixo da lingua, sem as ler por inteiro, numa reza sussurrada e trapalhona.
E assim, quando leio, quase dá para sentir o travo das palavras, ora salgadas, ora docinhas, que cozinham em lume brando na mente, agitadas pelo baloiçar irrequieto de um corpo que dança - eterno - na pista das palavras.

11 Ago. 2017

Um comentário:

Anônimo disse...

Que lindo...