sábado, 20 de agosto de 2016

6 | Poeta d'oras certas

Eu não sei ser poeta às horas certas.
Na verdade, eu não sei ser poeta em hora nenhuma porque em momento algum sinto que possa ter controlo sobre o que escrevo: poeta é quem sabe lidar com as palavras, e eu não consigo  nem lidar com pessoas, quanto mais com isto. Não sinto vergonha em dizer que são as palavras que me conduzem a mim, não eu a elas: têm-me na palma da mão, como aqueles amores que a gente sabe que são tóxicos e ainda assim não arredamos o pé. As palavras fazem de mim o que querem, e quando elas chamam eu vou atrás, como uma mãe galinha que não resiste às melindrices da criançada. Eu faço as vontades todas às minhas palavras - força, julguem os meus métodos pedagógicos duvidosos e mimalhos. Eu não sei dizer não à vontade de escrever, mesmo quando ela é inconveniente e me puxa pela beirinha das saias nos momentos em que estou à conversa ou a meio da leitura (infinitamente entusiasmante) dos artigos sociológicos em inglês.
Eu não sei ser poeta às horas certas, porque devia estar a apanhar o autocarro do meio dia, e estou aqui, a atender aos seus pedidos com um tupperware de comida aquecida nas pernas. 
Talvez as minhas palavras estejam a passar uma crise adolescente porque não têm aparecido ultimamente - confio que estejam trancadas no quarto a ouvir música pesada à rebelia - e quando aparecem, disparam direções distintas, sem coerência nem sentido, como só os adolescentes de hormonas saltitantes conseguem fazer (com uma certa dose de excelência). 
Eu não sou poeta às horas certas, é certo, nem tampouco poeta (seja a que horas), mas trato das minhas palavras como se fosse, e por muito inconvenientes que possam ser nas suas já raras aparições, eu hei sempre de recebê-las de braços abertos e caneta na mão. 

Já perdi o autocarro. 

Emily Words.  

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