sábado, 20 de agosto de 2016

36 | Insustentável peso da bagagem

Sou uma pessoa de bagagem.
Quando vou, não vou sozinha; levo comigo tanta tralha interior (e exterior, é certo) que não admira que me custe fechar a boca por um segundo que seja. Mas quando falo, repara, falo do que há em volta ou na superfície de mim, nunca do que levo cá dentro. 
Não foi a vida que me deu bagagem para os ombros, na verdade, foi sempre tão amável comigo que até parece injusto: fez-me emocionalmente leve e tornei-me pesada, apanhando coisas pelo caminho. 
Que coisas?, perguntas tu; que coisas guardo eu que pareço tão lisa a quem olha? Olha, coisas, coisas dos outros - amores que perderam, dores que fizeram por esquecer, sentimentos esquisitos que já ninguém quer, vergonhas, tristezas, também alegrias, mas angústias, medos, loucuras. E sobretudo, problemas. 
Apanho problemas como quem apanha cogumelos. 
E trago-os na mala, embrulhados em cobertores, cuido deles e faço-os meus porque, no fundo, gosto de pensar que sou complicada, que sou das malas de viagem e não das pochetes, que "tenho mundo" em mim. Todos os meus problemas, angústias e medos, todas as minhas alegrias e vitórias só existem porque os apanhei e guardei. Se os tivesse deixado quietos no chão, não seriam meus. 

A vida fez-me vazia e eu enchi-me com coisas que apanhei na rua. 
Agora sou da bagagem, como sempre quis.

Lory. 
(a minha nova personagem)

Um comentário:

Flor disse...

É engraçado como "precisamos" sempre do que não temos e aproveitamos tão pouco que nos é oferecido.