sábado, 20 de agosto de 2016

30 | Pirotecnia e serenidade das almas

simplicidade dela é avassaladora, incompreensível, a meus olhos, quase que um estado selvagem da consciência, longe das complicações mudas da minha. Ela é assim, desperta para as coisas reais, indiferente aos lados de dentro, aos demónios interiores que me atormentam, a muito meu prazer. Alto, não trocaria a minha condição de virada-do-avesso por nada deste mundo: é sempre no meu desencontro que acabo por me encontrar. É sempre, escuta, é s.e.m.p.r.e através da dor que me abeiro da felicidade. Dor provocada, dor construída, dor criada, dor -essencialmente - escrita. Mas ela não, ela é assim, real, palpável, toda ela em consonância com o corpo que a define, toda ela consciente das curvas e contracurvas da sua presença. Ela dança, e quando dança é como se toda a realidade se esgotasse no seu ser, e eu...bem, eu sou o oposto, eu estorvo-me a mim mesma enquanto corpo, vulgarmente humano, cruelmente físico, estupidamente real. Eu não me sinto enquanto carne e osso, não tenho equilibrio, velocidade, controlo sobre os meus movimentos, nada - é quase como se me tivessem metido no invólucro errado e eu, passados 20 anos, ainda não aprendi a aceitá-lo.
Bem, talvez não tenha sido totalmente sincera quando disse que não trocaria a minha condição de virada-do-avesso por nada deste mundo, tem dias que me apetecia ser assim como ela, solta, leve, harmoniosa com o ambiente em seu redor.
Até nas ambições e expetativas ela é serena, espera o futuro - que é para ela tão certo como 3 e 2 serem 5 - com placidez e um meio sorriso na cara, assim semelhante à presença suave e dourada das grávidas. As minhas ambições e expetativas disparam em direções opostas, contraditórias, antagónicas - tão certas como 3 e 2 serem 2930910391930 - rodopiam na frente do presente fazem curvas perigosas no passado, saltam, rebentam, fazem barulheiras infernais na minha mente, qual espetáculo de pirotecnia que assim que termina deixa tão só uma camada de fumo cerrado, que não deixa ver nem para trás nem para a frente, e que depois me faz impressão nos olhos, justificando assim a minha choradeira aparentemente injustificável em frente a um prato de arroz de marisco. 
 Ela é assim e eu, bem, não sou assado senão seria consideravelmente mais morena (o que de resto faria as minhas graças) mas vá, a gente vai aprendendo a lidar com o que tem, se a gente não aprende, a gente finge que aprendeu.
Sim, a gente finge. 

Nem sei com que personagem assino este texto por isso vai assim, 
Mim. 

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