sábado, 20 de agosto de 2016

3 | Carta das Grandes Verdades

Caro amigo,
A minha ambição é a de partir em busca das Grandes Verdades. Não sabe o que são Grandes Verdades?  Nem eu. Apenas sinto uma vontade crescente de partir em busca de algo que me falta, mas não sei bem o que é. (O John Green sabe porque ele pôr a Margo, o Collin e o Miles à procura disso.)
 Para procurar Grandes Verdades eu não preciso de amores na mala, porque os amores pesam e o caminho é longo. Os amores são como crianças irrequietas no banco de trás: sedentos de atenção, necessitados de gente que saiba "lidar" - seja lá o que "lidar" for - e acima de tudo, os amores são uma verdadeira pedra no sapato no que toca à busca das Grandes Verdades, pois de cinco em cinco minutos pedem para ir à casa-de-banho. Acredito que haja gente, como o Senhor, a procurar Grandes Verdades em bicicletas de dois lugares, e admiro-o realmente por isso, mas quanto a mim, atrapalho-me com o volante, e não quero ser responsável por acidentar um amor: prefiro deixá-lo na beirinha da estrada, enquanto eu parto sozinha, aos zig-zags, porque verdade seja dita, eu nem sei andar de bicicleta.
 Também não preciso de coisas bonitas, porque a beleza não está nas coisas mas nas ideias, e essas trago-as na cabeça, que mesmo cheia, deixa sempre espaço para mais. Não, meu amigo, eu não quero sapatos de brilhantes, eu posso colar as estrelas nos pés. E não preciso de uma casa com escadas, basta empoleirar e os meus livros e chegarei tão alto que tocarei na lua. 
Pode-me só dizer a partir de que momento é que deixou de querer tocar na lua? 
Não preciso de um mapa pois o caminho é por onde eu quiser. Não há placas na rua a indicar os quilómetros em falta para a próxima Grande Verdade, e por isso é que a viagem é tão maravilhosa: a cada novo passo desconhecerei se estou apenas no inicio ou perto de alcançar o fim. Assim, nunca saberei a que velocidade terei de andar, e não há nada de mais belo no mundo do que a sensação de não ter pressa para chegar. Afinal de contas, talvez o segredo para se descobrir as grandes verdades esteja na riqueza da viagem e não na do destino.
Por último, não preciso sair do sítio. Sim, ouviu bem. Volte a sentar-se, filho, e páre de barafustar contra o papel. Agora leia com atenção: eu, ou aquele que desejar procurar também as suas Grandes Verdades, não precisa de sair do sítio. Se o desejo fazer, é uma mania minha de não querer ficar, porque não há nada que impeça um explorador das Grandes Verdades de partir em viagem sentado no sofá, com um caderno e lápis na mão. 

Diz o Senhor, com pompa e circunstância, que de pássaro nada tenho porque teimo em permanecer fechada em casa, então respondo-lhe com certeza que as minhas viagens são tão os mais loucas que as suas, e que a liberdade para partir em busca de algo como uma Grande Verdade, não passa por ter coragem de abrir a porta, mas sim a mente. Ficaria admirado com a quantidade de coisas que tenho vindo a conhecer dentro de quatro paredes e igualmente perplexo por ter encontrado, da sala para a cozinha, uma série de Verdades que não sendo Grandes como as que espero vir a encontrar quando partir realmente, são igualmente importantes, igualmente belas, e especialmente (exclusivamente!) minhas. 

Tome nota: um pássaro que não tenha ainda aberto as asas não deixa de ser um pássaro; e mesmo estando trancado numa gaiola continua a estar, quer queira quer não, destinado a voar um dia.

Com os melhores cumprimentos,
da ofendida, 
Florence

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