sábado, 20 de agosto de 2016

27 | Inquietas são

Inquietas são,
 as dores sem razão de ser.

Dizem,
os bem aventurados que sofrem por motivos,
que não há dor só pela dor,
que toda a dor tem origem, pátria e família
que toda a dor é terra cultivada,
não mais do que a dura colheita de um fruto outrora semado.
Dizem eles,
os entendidos do mapeamento de dores,
que ninguém chora só por vontade de lágrimas,
que ninguém desconhece o andar onde mora a mágoa,
e que o segredo está somente em tocar à campainha,
e pedir para baixar o volume.
"Dói-me aqui." - Dizem,
triunfantes do seu sentido de orientação,
e enumeram, explicam, teorizam,
dão causa e efeitos para as dores que têm,
medicam-se com os clichés genéricos
que logo atacam os glóbulos vermelhos dos amores não-correspondidos.

Estendem-me pastilhas tricolores na palma da mão, 
rezam slogans generalistas e,
seguros do diagonóstico, 
aconselham curas para as doenças que não são as minhas. 
"Estás triste por causa disto." Dizem,
confiantes dos meus sintomas, 
e quando digo que a minha dor é somente dor, 
dor de não saber aonde dói, 
tristeza por ela mesma, 
sem razão, sem motivos, 
dizem que não: "Não é possível."
Inquietas são as mágoas sem etiqueta, 
as angústicas sem nome, 
as tristezas sem-terra. 
Porque ninguém cura um mal sem saber do que padece, 
ninguém encontra solução sem ler o problema, 
ninguém chega ao resultado sem calcular a equação. 
Felizes dos que levam na mão o enunciado das suas desalegrias, 
e, sossegadamente, de caneta em riste, 
procuram resolvê-lo com cabeça. 
Inquietos, explosivos, insanos são os traços
 (sem projeto nem trajeto)
que vou fazendo na folha em branco que, nervosamente, 
arrasto comigo. 
Inquietação, inquietação; inquietas, são 
as dores sem formulário que, 
apesar de inquietas,
são tão ou mais reais que as reais dores dos que sabem sempre
aonde dói. 


Lory. 
13.12.13

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