sábado, 20 de agosto de 2016

23 | Pássaros na alma

Will,
Iludiste-me. Eu julguei que tivesses pássaros.  
Pássaros na alma, sabes? 
 Mas a tua alma tem tanto de pássaros como a minha de política, Will. E eu nem tenho política na alma. Iludiste-me. Eu procurava asas, e encontrei raízes. Em vez de pássaros a cirandar em ti, fui dar com longas e imóveis plantações de flores.
És um jardim, e eu a contar que fosses um pombal. 
Eu cá gosto de flores, gosto muito de flores, mas gosto de vê-las de passagem, não de tratar delas. 
Confesso aqui que sou uma nulidade como jardineira. A terra assusta-me... por ser tão terra-à-terra, sabes? Eu não sei cuidar de flores mais do que de pessoas. Elas pedem água a mais, sol a mais, atenção a mais.
Eu nem tenho sol para dar às tuas flores da alma, Will.  
Tenho sementes no bolso, para os pássaros, mas não sol. 
Isso é o amor, Will, andar de Sol no bolso para dar às flores da alma de quem se ama. 
Eu conheço quem o faça, mas eu não. Eu nem sei fazer um sol caber no bolso, quanto mais. Talvez dobrando as pontas...eu sei lá. O sol nem tem pontas. 
Eu tenho: toda eu sou pontas. Soltas, sabes? Só pontas soltas. E pássaros.
(Já tu és um tapete de arraiolos)
Will, amor é deixar as flores da alma na terra e falar-lhes para que elas cresçam.
Eu nunca falo para as flores.
Falo para as pessoas. E falo muito, dizem elas.
Nunca deixo as flores na terra, arranco-as para marcar os livros.
Porque os livros vão ser sempre mais importantes para mim do que as flores. E do que o amor.
Will, eu tenho pássaros a mais. 
Tenho tantos pássaros que o barulho que eles fazem não me deixa pensar racionalmente. 
Tenho tantos pássaros que as suas penas fazem-me cócegas e fazem-me rir, mesmo quando quero chorar.
Will, eu tenho uma overdose de pássaros na alma. 
E pensava que tu também, mas em vez de pássaros, tens flores, e raízes, e arbustos, e batatas, e coisas que não saem do sítio. Tantas coisas que nunca vão sair do sítio. 
Will, eu não posso não sair do sítio. Will, eu não sou uma flor. 
(E se fosse, seria de lapela, não da terra.)
Will, não há vaso teu que me sirva, não há adubo que me faça crescer na terra bem tratada da tua alma. 
Eu não fui feita para plantar em alma nenhuma, muito menos na tua, porque os meus pássaros vão dar cabo das tuas flores, Will.
 
Will, eu quero voar, por isso pára de tentar plantar-me. 
Iludiste-me. 
Eu pensava que tinhas pássaros. Pássaros na alma, sabes? 

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