sábado, 20 de agosto de 2016

22 | O meu lugar é não ter lugar

Eu queria dizer, sem mentir, que a minha vontade é a de aprender a arte de Ficar: mas a minha casa é não ter casa e o meu lugar é não estar em sítio algum.
Eu queria dizer, sem mentir, que o meu desejo é somente sentar-me e pertencer.
Sentar-me.
E pertencer.
Mas eu não sei pertencer, e quando me sento a minha alma continua de pé, a caminhar sozinha para lugar nenhum. Eu não sei querer um espaço, muito menos uma pessoa.
Casas e pessoas são-me estranhas ao meu espírito (des)abrigado, sem um sentido de permanecer, uma vontade de construir, uma mania de estar.
A minha fé é a de não ter portas.
Eu não quero portas, não quero paredes, não quero janelas, nem tapetes de entrada com gatos estampados: eu quero céu aberto e partidas-sem-haver-chegadas.
A minha fé é a do desinteresse. Do entusiasmo breve e passageiro, nunca profundo, nunca durável, e jamais eterno, porque a eternidade estraga o que há de belo no momentâneo. Não se pode querer fazer durar flores mais do que uma semana na jarra, da mesma forma que não se pode querer fazer um amor durar para sempre. Ou uma vontade. Ou uma mania. Ou um chá.
O que é para sempre é a minha vontade de não querer nada para sempre.
Eu queria dizer, sem mentir, que gostava de ter uma mente mais sossegada. Como as mentes sossegadas de algumas pessoas que conheço, que Ficam, que Sentam, e que Pertencem, cujo maior desejo é o de permanecer irritantemente quietas debaixo do braço de outrem. E às vezes da pele.
Eu queria dizer, sem mentir, que o meu maior desejo é ficar debaixo da pele de alguém, também.

Mas eu não posso - antes de mais, porque eu não quero.

Eu nunca vou ficar tempo suficiente em lado algum para conseguir esgueirar-me para debaixo da pele de quem quer que seja. Nem eu quero, porque acho que sou figurativamente claustrofóbica.
Eu não quero Ficar, Sentar, Pertencer, Amar, nem tampouco comprar um tapete de entrada com gatos estampados.
A minha fé a de não ter tapetes.
Eu não quero ter uma alma sossegada porque eu gosto é do barulho do lado de dentro.
Eu não quero encontrar-me, porque é nos meus desencontros que eu dou comigo.

E por isso...
O meu lugar será (sempre) não ter lugar.

Mad. 

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