Tem dias em que - propositada e subtilmente - deixo cair a alma ao chão.
Não digas a ninguém, está bem?
Nesses dias, que são raros, gosto de me demorar um pouco mais nos lugares que não me pertencem, e deixo que a minha alma se estenda ao comprido na terra, sujeita a criar raízes.
O meu lugar é onde não se está, onde não há lugares para ficar, e por isso, nesses raros dias em que me dou ao luxo de permanecer - breve, leve, suave, como quem pisa relva em pontas dos pés - sinto-me como uma criança a comer doces atrás do sofá.
Espero que não chova nos dias em que deito a alma ao chão.
Se chover, corro o risco de virar planta, com pesadas raízes atadas à terra, imóveis, inertes, felizes na simplicidade de fazer parte.
Eu não faço parte, eu parto.
Por isso não digas a ninguém, mas às vezes, - só às vezes, não te assustes, 'tá? - às vezes eu gostava de ser planta.
Nesses dias em que a vontade de me plantar é maior do que a de voar por aí, eu encosto a alma à relva e deixo-a ficar ali deitada uns minutos, apenas uns minutos, para que ela possa sentir como é abeirar-se da arte de ficar por alguém...da arte de ficar em alguém.
Depois apanho-a com cuidado, e volto a colocá-la lá no alto, nos sítios onde ninguém chega.
A não ser que tenha pernas extraordinariamente altas.
Ou cassetes de música empilhadas.
Mary Jane.
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